domingo, 28 de dezembro de 2008

Modelo-Padrão do Rael

Eu não entendo muito bem o Rael. Ele tem sensibilidade, isso é um ponto. Mas um ponto bem superficial. E ele implica com todo mundo, mas isso é bem irrelevante pra uma reflexão sobre o Rael. E ele incorpora o AUSHREMMA.

Mas ele é implicante com música, muito. E eu to tentando entender o gosto musical dele faz tempo. Ele diz que só gosta de ouvir o que parece carregado por sentimentos legítimos (eu era assim também, na verdade ele é uma versão de mim há cinco anos atrás), o que faz algum sentido, mas algo me diz que o conceito de sentimento legítimo dele é estranho e mais limitado que isso (ele nao usa muitas palavras nem é obcecado por precisão), por exemplo porque ele não ouve musicas muito aceleradas (é por isso que ele vive no ritmo musical dos anos 60/70) nem muito lentas (por isso ele nao gosta do Movimento Islandes - eu ouço os extremos que cercam o que ele ouve, em termos de frequencia de vibração, huhuuh. Mas hoje eu descobri três albuns que tanto eu quanto ele gostamos muito (curiosamente um do Radiohead e dois da Björk) e isso é um ponto de partida pra novas reflexões a respeito. Eu queria escrever logo esse parágrafo pra dizer que desde que inventei esse blog to pra escrever textos sobre o monte de reflexões conjunstas sobre musica que eu e ele temos, mas acabei nunca fazendo isso. Ele nao ajuda também, ele nao é muito afeito a reflexões muito teóricas, hehehe.

O Rael acabou de me dizer que sempre me achou verborrágico =/ Verborrágico como um filósofo. O Rael é contido como um poeta. Aliás, ele escreve poesias e as publica num blog, mas eu nao vou fazer propaganda de um blog aqui, especialmente um blog de poesias, blergh!

O Rael diz que tudo o que rima tem que ser verdade (aqui), e eu acho que acredito nisso (é ótimo estabelecer expicitamente critérios estéticos pra validar a crença das coisas) (é nessa hora que ele entra e diz que eu to estragando a frase bonita dele com um monte de dissecações teóricas).

Fato é que nessas coisas todas e em outras ele tem sido um bom contraponto (e justamente por causa de uma certa ampla base comum nossa de encarar o mundo). Nas discussões do CCD eu quase sempre tenho sido o Fogo e ele quase sempre tem sido a Terra ("Alguém precisa de um filtro de brainstorms..." R. Erkírion, op. cit.).

O Rael não me pediu esse post. Nem passaria perto dele um fazer algo assim. Mas, ehr, como o post é dele, precisa vir com figura no final.




Corro à luz de Aldebaran, que me protege,
Mas a esfera-Índigo de Cerâmica quebrou-se,
Num estalo, num estrondo, num ínfimo instante,
E de lá caíram todas as luzes do Mundo

[Sinto muito, tive que roubar]

Tolerância

sei lá, tem várias mini-reflexões que eu nem escrevo aqui pq geralmente nao considero dignos de, sozinho, estrelarem um post. Mas acho que é uma boa parar com isso e começar a postar mais idéias soltas e bobas, quase no nivel do afzipi, auehuaheh

Enfim, acho que posso começar mencionando um dos grandes lugares comuns desses tempos (daqueles a que as pessoas se referem tao enfaticamente que espanta notar q nenhuma delas pensou nas suas consequências mais radicais - acho que tem um filtro de razoabilidade (ou uma "miopia de razoabilidade") que em geral faz só filósofos e excêntricos e românticos alemães ficarem levando as coisas às últimas consequencias) sobre tolerância e aceitar as diferenças. O problema é que aceitar todos os pontos de vista, nunca querer que outras pessoas assumam algum outro, é ser inútil prás pessoas, não colaborar em nada pro crescimento delas. O extremo oposto, a completa intolerância, fundamentalismo, e tentativa de converter qualquer um que passe perto ao seu único ponto de vista, é beem mais educativo prás pessoas, mas torna a convivência razoavelmente insuportável.

Claro, como com quase tudo, deve haver um equilíbrio entre as duas posições, ou uma superposição de estados entre elas. Porque, por um lado, é interessante que suas próprias posições defensáveis sejam um tanto quanto amplas (é chato querer convencer as pessoas sempre das mesmas coisas), e por outro, reconhecer posições diferentes é inclusive útil para "converter pessoas aos seus pontos de vista defensáveis" de forma mais eficiente (sendo ainda mais educativo prás pessoas do que o fundamentalismo completo). E de qualquer forma a briga com a intolerância tem talvez mais a ver com uma forma estúpida e cega de convencimento que, mais que não-eficiente, trabalha contra seus próprios propósitos.

Uma interseção entre o conjunto de opiniões que você compreende e o conjunto de opiniões que você quer mudar parece algo bom de se ter, de qualquer forma. Mas uma coisa interessante é uma fronteira que existe para além das posições não-compreendidas e não-toleradas, que eu posso chamar de "fronteira do completamente outro": pessoas tão tão diferentes que atrazem consigo a admissão da completa ignorância sobre aquela disposição e um certo desanimo e uma certa prudência de nem tentar interferir. O que faz pensar, fazendo o caminho inverso, que toda tentativa de convencimento envolve pelo menos um modelo minimamente razoável sobre o estado da outra pessoa que se quer ver mudado.

Pois é, uma idéia solta rendeu três parágrafos médios. Eu to ficando muito verborrágico. Enfim.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Sentidos e Medições

Um outro "primitivismo" desse tipo que me intriga é um que o Jaime sugeriu uma vez, sobre os modos de conhecer a natureza que os cientistas se orgulham de usar. Eles não são nada, nada além de uma versão mais estendida dos nossos sentidos!

Ou bem a gente detecta luz, com bem mais precisão e variedade de cores que os olhos, mas luz, ou tem detectores sensíveis a pressão, como os ouvidos, ou detectores químicos, que geram reações quimicas a partir do contato com qualquer coisa. Olhando assim, isso parece muito limitado! E mostra como os nossos métodos experimentais das ciencias naturais são primitivos, nesse sentido. Se os instrumentos até o século XIV só adicionavam precisão ao que medíamos com os sentidos, os de hoje são só versões estendidas destes.

Quando será que vai aparecer algo diferente? (Certamente não nessa geração, em que as pessoas só tão preocupadas em seguir o bonde e publicar, publicar, publicar... Não conseguiram nem largar o osso da matéria e da energia escura, meu deus! esses cientistas me envergonham, como membro da humanidade, tsc)

Runas

Começar a usar o blog tb pra alguns insights sobre raízes passadas e coisas futuras. É sempre chocante enxergar alguns padrões muito permanentes em grupos humanos em geral, como eles são tão "primitivos" quanto coisas bem antigas (sem críticas), e como talvez seja diferente um dia.

Uma desas coisas é o nosso padrão escrito, o romano, que é essencialmente como o padrão rúnico: conjuntos de traços retos e simples que representam sons específicos, configurações específicas da boca. Uma sequencia de runas representa uma sequencia de sons que deve ser reproduzida rapidamente para carregar significados para as nossas vidas mentais e pra induzir ações no mundo material.

(Quem diria que algum animal ia desenvolver essa técnica muscular avançada de articular e rearticular rapidamente a saída do sistema respiratório pra produzir um padrão bem complexo de sons que carrega um monte de significado. É sempre a primeira coisa q eu penso quando ouço uma conversa em uma língua desconhecida.)

Mas voltando, o nosso padrão escrito ainda é esse! O mesmo, não mudou nada! É verdade que existem infinitas versões estilizadas dessas runas (as diferentes tipografias) pra combinar com coisas diferente e ficar bonitinho, mas isso é só as runas enquanto arte decorativa. Aliás, eu nem chamo isso de linguagem escrita - porque não passa da reprodução escrita do que é a nossa lingua oral. O ocidente só tem língua oral! Mesmo as expressões poéticas são todas assim: poesia é algo para ser declamado - e os concretistas foram os primeiros a fazer algum avanço no sentido oposto. Os chineses sim, eles têm uma linguagem escrita de verdade, com símbolos escritos que carregam idéias, que podem estar associados a diversas linguas orais - ou mesmo a nenhuma.

Mas enfim, será q vamos abandonar esse padrão rúnico de escrita e de comunicação? A partir das ultimas duas décadas, parece cada vez mais claro que os filmes e outras multimídias vieram com grande potencial para competir com os livros como forma de guardar a nossa sabedoria mais erudita (ou como diz a minha mae adotiva das humanidades, os historiadores das novas gerações precisam saber fazer cinema).

No futuro a comunicação não-oral vai ser feita através de bolhas brilhantes e coloridas.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Vida

Viva a concretude irrenunciável da vida! \o/

(tirado de um email espontâneo enviado pro Café Filosófico do CCD).

Em particular, em termos da "igreja" / "congregação" (koinonia, usemos o termo grego) discordiana, isso deve implicar, em primeiro lugar, nada de abstensões. Nada que diminua as cores da vida (é, isso ta bastante ligado ao principio anterior), nada que obrigue a viver menos. Viver o máximo possivel, sempre - e, assim, quando o viver mais implicar deixar de lado certas práticas da vida para viver outras consideradas melhores ou mais intensas, que seja. Mas, como tal, seguindo o principio de irrenunciabilidade da Vida, só faz sentido sendo ato individual. Abstinências como regras coletivas não.

Isso aproxima a coisa também ao Budismo Chan (zen), no sentido de que a vida concreta é a verdadeira iluminação. Algum koan dizendo que Buda é a pedra em que você tropeçou ontem cairia bem aqui, mas to sem paciência de procurar isso agora.

Princípio da Multiplicidade

Tem muita gente interessante fazendo muita coisa interessante por aí.
Ou: buscar sempre as cores locais.
Ou: não acreditar demais nos padrões.
Ou: o melhor dos mundos possíveis é o mais variado.
Ou: (a lei máxima dos românticos): Sê tu mesmo, isto é, sê único!

(Isso funciona também como princípio de trabalho, prás Humanidades; não considerar coletividades nunca como uniformes. Ou: qualquer agrupamento de pessoas incluem sempre opiniões ligeiramente diferentes, e ações ligeiramente diferentes.)

Ou, pra dar ao meu post mais autoridade e poesia alheias, um pouco de Schleiermacher (retirado do capítulo dos romanticos do Lovejoy):

Como posso evitar apenas regozijar-me na novidade e na variedade, que não confirma e não de novas e sempre diferentes maneiras a verdade de que estou de posse? (...) Há ciências sem cujo conhecimento minha visão do mundo nunca será completa. Há ainda muitas formas de humanidade, épocas e povos que não conheço melhor que o homem comum - épocas e povos em cuja natureza e modo de pensar minha imaginação não penetrou de sua maneira própria e que não ocupam nenhum lugar definitivo e próprio deles na minha imagem do desenvolvimento da espécie. Muitas atividades que não têm lugar na minha própria natureza não as compreendo e careço frequentemente de um entendimento própria das relações delas com aquel Todo que mostra sua grandeza e beleza na humanidade como um todo. Desse todo, hei de, parte por parte e parte
com parte, tomar posse; a mais bela expectativa abre-se diante de mim. Quantas naturezas nobres, totalmente diferentes da minha, que a humanidade moldou como elementos de si mesma, vejo ao alcance da mão!
Ou, citando o próprio Lovejoy citando outro: "Eis uma cruel determinação, como Emerson disse de Margaret Fuller, a de comer este enorme universo!"

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Princípio do Improviso

(Aproveitando-me de que isso aqui não é muito frequentado, e pegando carona nesse momento magico de conversão ao Erisianismo, vou usar esse blog aqui pra postar alguns princípios mais genéricos e abstratos meus. Talvez eu funda isso com o Chu Biúnil mais tarde)

Nunca escolha um caminho até que você possa efetivamente andar por ele.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Modelos Urbanos

Uma reflexão antiga mas que, como refluiu hoje na minha cabeça, resolvi escrever.

É engraçado que Rio de Janeiro e São Paulo têm padrões de urbanização bem distintos - especialmente no que diz respeito à relação com o relevo.

O Rio de Janeiro tem duas inclinações possíveis: plano, onde vivem todas as pessoas de bem (e muitas do mal também) e muito inclinado, onde tem floresta e/ou favela. A distinção entre Cidade e Favela é auto-evidente para qualquer carioca; olhando de cima, é perfeitamente possivel desenhar uma linha precisa delimitando as áreas das duas coisas.

Já São Paulo é muito mais democrática a esse respeito: todas as inclinações são ocupadas por todo tipo de cidade, indistintamente. O mar de morros é coberto pelo mar da urbe. (Nunca vai deixar de me espantar o fato de, 150 anos atrás, a região da atual Av. Paulista ser uma serra díficil de transpor, atravessada por estradas em seus pontos mais baixos, e que separava a Vila de São Paulo da Vila de Pinheiros).

Em São Paulo, também, bairros ricos, médios e pobres se distribuem como um malhado pela cidade, embora com uma leve mais perceptível curva de declive: os bairros mais ricos, em geral, ficam perto do centro e os bairros mais pobres, em geral, nas extremidades. O Rio, por outro lado, é uma cidade bipolar: há a Zona Sul, em que ficam todas as pessoas que tem dinheiro (e muitas que não tem tanto), todos os bairros bonitos, interessantes, todas as praias, os cartoes postais, cada um dos símbolos pelos quais o Rio de Janeiro é famoso, e há o Resto da Cidade, que concentra 90% da área da cidade, uma porcentagem similar de população, e não tem mais nada. O centro, então, espremido no extremo leste da cidade entre floresta e baía, é a zona de transição entre essas duas regiões.

Mas o mais engraçado disso tudo é que esses dois modelos se replicam! Boa parte das cidades ao longo da costa fluminense segue o modelo carioca!: ocupação plana, privilégio da zona próxima do mar, supervalorização desta e esquecimento de toooodo o resto (tratado então como periferia). Cidades do interior de São Paulo, por outro lado, todas nao se importam em passar por cima das elevações, ter ladeiras, essas coisas; são todas globalmente homogeneas em termos de riqueza (nao homogeneas, na verdade, mas nao bipolares com certeza), centradas eventualmente em uma igreja.

Gostaria de fazer uma comparação tríplice com as cidades mineiras, mas preciso passar mais tempo nelas antes disso.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Fones

Eu tava reparando como é grande hoje a quantidade de pessoas que viajam de onibus com fones de ouvindo, ouvindo suas próprias musicas, as musicas q tocam suas almas (voce está ouvindo 98,9 FM...). É interessante essa coisa de poder carregar consigo as musicas de q vc gosta. Mais interessante é como as pessoas podem se dar ao luxo de abrir mao de um sentido inteiro, de um canal inteiro de contato com o mundo exterior, e reverter o uso desse canal para permanecer mergulhado no interior de si mesmas, conforme transitam pelo mundo mudo (claro que nao é mudo, que tem muita coisa pra ser ouvida nele, mas na maioria das vezes acaba virando só ruído branco).

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Um mundo, um sonho

Acabou de terminar a Abertura dos Jogos Olímpicos de 2008. To semi-paralisado até agora. É a primeira vez que eu me emociono de verdade com algum evento público.

Sabemos o poder simbólico que as Olimpíadas têm no nosso mundo. Nesses dois séculos tão belicosos, tão competitivos para os países ocidentais (o século XIX que começou com Napoleão, foi atravessado pelas invenção das guerras nacionalistas, e desembocou num século com duas guerras mundiais e uma guerra fria que partiu o mundo em duas fatias), foi uma das melhores idéias enfiar fundo a mão nas raízes comuns do ocidente, e recuperar o maior símbolo de convivência pacífica entre diferentes. O evento que pausou a Guerra do Peloponeso; em que todas as cidades pararam o curso de suas evoluções políticas para ver o Fogo que Prometeu roubou dos deuses sendo aceso, para que cada ser humano não quisesse mostrar nada ali além da sua própria excelência.

As Olimpíadas na sua versão moderna foram uma promessa de paz que nunca se cumpriu. Mas foi também uma promessa de mundo. O Ocidente podia então se enxergar como a Grécia: por mais diferentes que fossem as cidades, estavam ali para celebrar sua herança comum, estando certos de estarem produzindo o melhor do fato de serem humanos. Talvez a unica manifestação de sensatez num mundo em que as nações ocidentais se destruiam mutuamente em nome de mais e mais pedaços do resto do mundo. Eles ocidentalizaram o mundo, de fato, levando a todos seus ideais, sua visão, mas levando também, sem perceber, esse que pode ser chamado de ideal olímpico.

O traumático século XX acabou com a queda do muro que dividia, na capital do centro da europa, as duas metades ocidentais do planeta. As duas olimpíadas seguintes foram organizadas em cidades bem pacíficas e distantes do centro dos acontecimentos, enquanto o resto do mundo terminava de se reconstruir. Em 2004 as Olimpíadas voltaram para o seu berço, como que para repensar o que foi a história do ocidente e do mundo ocidentalizado; uma volta às origens para recomeçar em outra direção. Foi em Atenas, símbolo máximo da tradição que refez o mundo, que os gregos entregaram o Fogo dos Deuses aos chineses, civilização igualmente antiga, mas guardando a promessa do novo.

Foram quatro anos de espera muito ansiosa. Mas atingimos o turning point; a ocidentalização do mundo finalmente acabou. Começamos a globalização efetiva. Desfilando todas as suas maiores conquistas culturais, físicas, intelectuais e tecnológicas, a china finalmente conseguiu do ocidente o respeito que nunca havia tido. Finalmente outra voz se ergue no mundo, num mundo que agora tem muitas vozes, muitas cores. O fogo agora está nas mãos do homem chines, que salta do centro das nações, correndo, tocando o ar com os pés com a leveza típica dos heróis chineses, desenrolando atrás de si o pergaminho que conta a árdua travessia dos últimos anos. Corre naquele Céu, o círculo, que envolve todas as nações, e faz a grande Tocha anunciar: o século XXI começou.

sábado, 2 de agosto de 2008

Emoticons

Os emoticons foram uma das coisas mais incríveis que já inventaram em termos de línguas! Numa época em que a comunicação instantânea e ao vivo, que antes era exclusivamente oral, passa a ser também bastante exercida por escrito, eles surgiram para resolver o que sempre foi apontado como uma das grandes deficiências desta: a impossibilidade de expressar tons de voz, expressões faciais e corporais, e todas essas coisas que usualmente não expressamos por conceitos, quando falamos.

(os emoticons não são conceitos então? o que eles são? talvez isso renda outro post no futuro...)

Fazendo, assim, outro exercício de futurologia, não dou muito tempo pra que eles comecem a ser incorporados à língua escrita (não só em conversas, mas em livros e textos mais longos), e comecem a ser sistematizados, e apareçam finalmente nas gramáticas. Como sistematização é outra coisa com o que eu adoro brincar, vou me adiantar e fazer isto. Gramática dos Emoticons.

Vou começar então supondo que existe uma classe de objetos lingüísticos (como as classes de adjetivos, substantivos, etc.) chamada de "emoticons", cuja função no texto é exprimir emoções e sentimentos que acompanham o texto de forma não-conceitual.

Morfologia

A maioria dos emoticons reproduz, primariamente, expressões faciais - é a origem morfológica de quase todos eles.

No Brasil, vivemos sob dois regimes morfológicos de emoticons.

O primeiro é o regime norte-americano, ou ocidental. Emoticons desse tipo consistem em um sinal de dois pontos (:) (variante: um sinal de igual (=) ) seguido de um caractere qualquer (letras maiúsculas, em boa parte dos casos) que originalmente representava a boca da face.
Exemplos:
:) - :( - :/ - :D - :S - :O - :E - :B - :T - :P
Repare que toda a expressividade dos emoticons ocidentais é carregada na boca; os olhos quase sempre são iguais. A única variação de olhos neles é quando se troca os dois pontos (:) por ponto-e-vírgula (;), adicionando o 'efeito de piscadela' ao emoticom original.

O segundo regime é o regime japonês. Ao contrário do ocidental, nestes é a boca que é inexpressiva (quase sempre inexistente); toda a expressividade é carregada nos olhos. Sua forma é geralmente algum caracter duplicado, representando os olhos dispostos horizontalmente (ou dois simbolos diferentes, quando se trata de um 'olhar assimétrico'), juntos (variantes: separados por um ponto (.) para representar o nariz, ou por um underline (_) para representar a boca).
Exemplos:
¬¬ - ^^ - o.O - u.u - *.* - o_o - T.T - x.x

Há dois emoticons em particular que são frequentemente usados e que não pertencem a nenhuma dessas classes: o de comemoração (\o/) e o de despedida (o/ ou variante \o). Há também quem use uma variante deles para expressar desespero (/o\). São basicamente estes; talvez possamos chamá-los 'emoticons de braço'.


Sintaxe

Emoticons, obviamente, não exercem função sintática em uma frase - a menos que criemos uma função específica para eles. Eles geralmente são escritos no fim de orações (algumas vezes, mais raras, no início delas), e não são separados por nenhuma pontuação específica. Na comunicação instantânea, costumam mesmo exigir a omissão do ponto final, para não gerar cacografia. Podem também vir escritos solitariamente, formando ele sozinho uma dada frase.


Emoticons escritos

Uma classe especial, bem interessante, é a dos emoticons escritos - que não têm origem pictográfica, mas são sequencias de letras (geralmente nascidas de abreviações que se consagraram) que representam uma ação ou emoção não-conceitual. Um exemplo freqüente é a expressão de risadas "rs" (e as variantes existentes nos estados unidos, como "lol"). Mesmo que se queira tratar como abreviações, pelo menos a função sintática é a dos emoticons. Há também os que defenderiam tratar essas expressões como interjeições - que usualmente é uma classe que representa emoções não-conceituais, mas que também são expressas verbalmente. As 'risadas por extenso' (hahahah, hehehe, hihihi, auehhieoehoae, etc.) me parecem mais claramente membras desta classe.

Meu Mapa Musical

Em mais um post auto-referente, vou listando aqui meu gosto musical. Mas com os músicos agrupados em classes que parecem ser as tendências dominantes do meu próprio gosto musical, as características de cada musico que me fazem gostar especialmente dele. É como um mapa musical da minha cabeça - que possivelmente revela algumas características não-musicais relevantes desta.


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Guias-Mestras:
(onde a maior parte das características posteriormente citadas supostamente convergem)
Debussy e Ravel
Sigur Rós e Radiohead
Em especial, a sensação de não-pertencimento ao mundo que eles transmitem; eles fazem música olhando para um certo jeito de fazer música (a musica clássica tonal, no caso dos primeiros, o rock no caso dos segundos), estando inseridos até certo grau neste ambiente, mas deixando claro que o tempo daquilo passou, que eles não fazem mais parte daquilo.
Os componentes das duas duplas citadas fazem contraponto um ao outro: um leve, contemplativo, sentindo o mundo exterior entrando suave como o ar nos pulmões - o outro pesado, doloroso, angustiante, queimando o corpo por dentro para sair em cores fortes e vibrantes.

'Movimento Islandês':
Sigur Rós, Amiina, Múm
(acho deles o mesmo que eu acho do Sigur Rós, citado acima)


Música de Ambiente:

Mogwai, Mono, São Paulo Underground


"Musicas Culturais" (que me evocam um certo ambiente cultural específico)

- Do Mundo Cosmopolita e Globalizado
Björk - principalmente com a "musica do mundo globalizado em Volta"
Antony and the Johnsons - o sofisticado mundo artístico cosmopolita de NY
Prabhu Deva (e um pouco do Daler Menhdi) - o jeito indiano de lidar com a globalização
(dá pra citar a MIA tb, mas quem gosta dela é o zipi)

- De pedaços específicos deste mundo
Grieg - a magia nórdica
(e os concertos celta, judeu e uns outros do Max Bruch)
At-Tambur - ibéricos e celtas
meus CDs de Música Prehispanica
Deep Forest (especialmente o clip do "Sweet Lullaby")
Qntal e sua releitura eletrônica / contemporânea da medievalidade

- Dos Vizinhos
Chico Buarque, como um dos elementos da "alma brasileira"
- e Hermeto Pascoal, o que se faz no Brasil mais próximo do citado nas Guias-Mestras
Cordel do Fogo Encantado - a minha imagem de nordeste
Gotan Project e sua releitura eletrônica do Tango o.O


Músicas das Maquinas:

Kraftwerk - os pais da parada, e ainda os mais radicais nesta proposta
Daft Punk
Tangerine Dream - eletrônico de ambiente
Hot Chip
Infected Mushroom - ok, eles são meio pops e são de Israel, mas dá pra perdoar
Chemical Brothers (especialmente o "Star Guitar")
Lemon Demon - é o que dá qdo um adolescente nerd vai fazer essas coisas


Experimental & Dissonante
- o Movimento Islandês
- Igor Stravinsky
- musica eletroacústica em geral
- Hermeto Pascoal
- Marli - muito nonsense e assutador e legal!!
- Hidrogenesse


# Algumas bandas que eu gosto de forma específica
Arctic Monkeys - música rápida! (& alguma coisa do Rush)
Rammstein - música forte e robusta!
The Smiths - ingleses introspectivos (& Belle&Sebastian)
MGMT - cantos de juventude


# Algumas cantoras que são legais porque são bem delicadas:
- Americanas: Fiona Apple, Cat Power, Alanis Morissette
- Francesas: Emilie Simon, Françoise Hardy, Julie Delpy
- Portuguesas: a mulher do Madredeus
- Joanna Newson! (poderia entrar como agregada no movimento islandês)


# Bossa Nova e similares de outras partes do mundo
(afinal, sendo carioca, eu tinha que ter um lado meio assim, hehe)
- Tom Jobim e todo mundo que já gravou com ele;
- Cesaria Evora, da Angola
- Madredeus, de Portugal
- Queyi, da Espanha

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Sensus Communis

Outra discussão de MSN. Estávamos eu e o Autor do Sapere Aude discutindo sobre a Navalha de Ockham. Eu dizendo que não gosto dela, que não está na minha religião, que acho que é a maior balela que já inventaram - porque teorias nunca, nunquinha, são escolhidas com base nela. Ninguém se filia a uma concepção teórica porque é a mais simples. Alias, o conceito de "simplicidade" de uma teoria não é nada bem definido - ainda mais se formos levar em conta o que Feyerabend diz sobre a incomensurabilidade das teorias científicas em geral (isto é, a impossibilidade de compará-las, por estarem fundadas em pressupostos teóricos completamente distintos).

Seguiu-se a isso uma loooooonga passagem por todos os níveis de caricaturização daquela velha história do Copérnico (desde a mais simples: "Terra no centro, que coisa idiota! Até que veio alguém esperto e pôs o Sol no centro, deu certo, e todos vivemos felizes para centre até hoje com as órbitas circulares em torno do Sol."), e a discussão sobre até onde é lícito usar a Navalha de Ockham para favorecer Ptolomeu ou Copérnico, Copérnico ou Kepler.

Até a confissão final que mudou o curso das coisas: a de que Ele (o meu interlocutor) usava a Navalha especialmente contra as famosas Teorias de Conspiração. E eu querendo encontrar uma outra forma de descartar as teorias conspiracionistas, sem agredir tanto o ponto de vista humanista. O exemplo de conspiracionismo apresentado por ele foi o do Dragão na Garagem. A história pode ser resumida no seguinte diálogo (adaptado do diálogo escrito por Ele):

- Achei um Dragão na minha garagem!
- Sério meu???
- Sério meu!
- Po, vamo lá que eu quero ver esse dragão!

- Po meu, moh mancada sua neh? nem tem dragão aí!
- Claro que tem, só que ele tá invisível!
- Ah, entao a gente joga tinta pro alto... se tiver um dragão parte da tinta vai ficar flutuando no ar aí a gente vai poder ver ele!
- Noa meu... tipo assim, ele é imaterial tambem, saca?
- Hm... a gente pode usar uma camera de infravermelho para ver a radiação emitida por ele então.
- Ah, mas ele não emite radiação porque está na temperatura ambiente...

E assim ad infinitum, com cada medição imaginada tendo uma justificativa para que o dragão não possa ser medido. Até aí nada de errado; a teoria do dragão, encarada deste modo, se ajusta perfeitamente a todos os dados experimentais que podem ser obtidos na garagem. Mas, como Ele disse, "a maioria das pessoas iria concordar que é idiota achar que ele tem 50% de chance de estar lá."

Daí é que veio a luz, e o consenso. As pessoas não acham razoável supor o dragão. Porque o conjunto de valores aprendidos por essas pessoas ao longo de suas vidas, a partir dos pressupostos culturais - que é o que dá munição à nossa capacidade de julgar - rotula o dragão como "não-razoável". Não é porque as explicações são mais "simples" (o que quer que isso signifique) sem o dragão; mas porque o dragão não pertence ao "conjunto de coisas que são razoáveis" - não pertencem ao senso comum.

Que alegria! Um conceito genuinamente humanista, que então aparece como o elemento fundamental no julgamento e na escolha das explicações sobre o mundo. As duas teorias são iguais do ponto de vista empírico; o que as diferencia são os conceitos que, em um dado grupo de pessoas, são ou não são considerad0s "aceitáveis". Poderíamos batizar isso de Navalha do Senso Comum:

Na dúvida de qual explicação escolher, fique com o que ofende menos o seu bom senso.

Fim de jogo.

terça-feira, 17 de junho de 2008

Islândia

Uma das coisas mais divertidas de se fazer é futurologia (como será o mundo quando...?) e futuro-do-preterito-logia (como seria o mundo se...?). Então vamos lá.

A idéia surgiu em mais uma madrugada de conversa fiada no MSN. Estávamos falando sobre como a história nos ensina (é, historia magistra vitae mesmo, falou?!) que grupos extremamente irrelevantes na periferia de grandes impérios e civilizações, justamente por serem irrelevantes e ninguém ligar para eles de início, freqüentemente viram o jogo e passam a ditar as regras no mundo (e um viva à imprevisibilidade dos acontecimentos humanos! \o/). Mongólia, Inglaterra e Japão são três exemplos que dispensam maiores explicações.

Daí, como numa boa conversa fiada de madrugada de MSN, surgiu a pergunta: em que povo irrelevante da atualidade vocês apostam para ser uma grande potência política e/ou cultural no futuro? E a minha aposta: Islândia!

Na verdade não só a Islândia, mas o Mundo Nórdico como um todo. Explico. Desde os saques vikings no século IX, o Mundo Nórdico não tem nenhuma relevância especial para o curso dos acontecimentos mais globais da Europa e, por tabela, do Ocidente (que era e continua sendo, em boa medida, sinônimo para “Europa Estendida”). Nunca exerceram grande influência no resto da Europa, não representaram participação significativa em nenhuma grande guerra européia (talvez um pouco na Segunda Guerra Mundial). No entanto, hoje são os países com o maior IDH do mundo (a gente sempre se surpreende, na escola, quando ouve isso pela primeira vez). Um bom sinal de relativa irrelevância no passado, e de potencial para fazer coisas num futuro não muito distante.

Claro que eu não estou falando em dominação política, que isso nem faz muito mais sentido no mundo de hoje. O Japão, por exemplo, tradicional ilha periférica e insignificante no mar da China, nunca teve nenhuma dominação política externa pronunciada (afora os surtos de grandeza da Segunda Guerra), mas devorou pílulas de ocidente numa velocidade assustadora e hoje domina de forma muito forte o cenário cultural mundial. Como o meu irmão diz: todo desenho animado agora tem traços de Mangá e de Anime. O Japão virou o maior exportador de modinhas orientais para o ocidente.

E desse ponto de vista, o cultural, que eu vejo um futuro interessante para o Mundo Nórdico. Eles têm uma produção artística muito característica (e muito bem financiada), bastante própria e diferente dos padrões ocidentais comuns. Na última Bienal de Arquitetura de São Paulo (a de 2007), me surpreendeu a grande quantidade de mega-projetos dinamarqueses de urbanismo sendo executados em cidades chinesas!

O cenário fica 20 vezes mais favorável se formos pensar na música. Finlândia e Noruega são países claramente destacados em dois tipos de experimentalismos musicais de ponta: o experimentalismo da musica erudita / acadêmica, e a incorporação de elementos eruditos nos cantos épicos do Metal \,,/. Outro tipo de experimentalismo, que me atrai especialmente, é o que é praticado na Islândia. A começar pela Björk, um dos maiores ícones do mundo da musica pop – tornando o experimentalismo musical algo pop o.O – , primeiro arauto do que virá (ela inclusive tem uma agência na islândia para financiar novos artistas talentosos). O último CD dela, Volta, como um cântico da globalização, é bem simbólico.


Os islandeses em geral me passam uma impressão muito forte de que estão falando da cultura ocidental mas ao mesmo tempo estão fora dela (como o Debussy com as escalas cromáticas, em relação à musica tonal). Esse “olhar extraterrestre” sobre nós, me parece, é essencialmente o que faz da música islandesa tão interessante para o ocidente em geral. Tudo isso com uma lírica que é muito, muito característica de toda música que vem daquela ilha. Novamente, a Björk é um ótimo exemplo.

E daí o experimentalismo, a falta de pudor com pegar todos os elementos da cultura ocidental e ficar brincando com eles. Outro exemplo extremamente elucidativo é o da Amiina, grupo de quatro meninas (originalmente um quarteto de cordas) que lançou seu primeiro CD em 2007. Sobre o início do grupo, o site delas diz: “They gathered together every last instrument they could find and piled them into their car”. Depois disso, elas ficam aparecendo em programas de TV tocando serrotes com arco de violoncelo e produzindo harmonias em conjuntos de campainhas de secretária! Com relação ao arco de violoncelo, talvez tenham aprendido com o Sigur Rós, cujo vocalista e guitarrista já o usa quase sempre em sua guitarra.


Já estou começando a ter visões. Björk abriu as primeiras portas e talvez seja lembrada no futuro como uma espécie de matriarca. Sigur Rós e Múm estão despontando como bandas de fama internacional consolidada (com direito a serem usadas constantemente nas trilhas sonoras de reportagens do Fantástico). Amiina, no rastro do SR, são um dos exemplos do que está surgindo agora-agorinha. Quem sabe o que virá pelos próximos dois ou três anos? Logo logo, de forma cada vez mais difundida, a label “musica islandesa” estará associada à música experimental, a uma outra forma bem sucedida de encontro entre o rock e a musica erudita, a um padrão musical bem característico e visto em geral como de alta qualidade. Se o Sigur Rós continuar o trabalho deles na linha atual, isso vai levar a uma divulgação crescente, junto com as músicas, de outras práticas culturais exóticas e dos cenários naturais estonteantes e extraterrestres da Terra do Gelo. O turismo natural, associado ao turismo musical, vão crescer – primeiro dentro da Europa, depois envolvendo Estados Unidos e (quiçá) América Latina. Os pubs de Reykjavik vão começar a encher, todo mundo atraído por ver apresentações dos seus músicos preferidos em seu habitat natural. Reykjavik, como um todo, vai se tornar uma cidade referência em termos musicais. Todo mundo vai falar desse país que, até a década de 50, era não muito mais que um distrito da Dinamarca. O processo, como um todo, só vai ser reforçado pelos atrativos do resto do Mundo Nórdico: a atenção à Islândia atrairá mais atenção para seus vizinhos; a atenção para os atrativos de seus vizinhos aumentará ainda mais a visibilidade da Islândia. =~~~~~~

Os próximos anos ainda têm que ver um dilema ocidente x china na definição do perfil cultural deste mundo globalizado, num primeiro momento. Mas pelo menos no primeiro lado desse dilema, a voz dos homens do gelo tem muito o que acrescentar ao desenho do quadro.

Identidades Escolares

Aproveitando o tema das identidades, deixa eu desenvolver um sobre o qual eu andei pensando: as identidades escolares.

Claro, a coisa mais normal do mundo é alguém desenvolver um sentimento especial pela sua turma de colégio, que possivelmente acompanhou esse alguém por alguns dos anos mais marcantes de seu amadurecimento. Mas aqui eu estou falando de outra coisa: não do vínculo com as pessoas conhecidas e importantes, simplesmente, mas de um vínculo que envolve também todos os alunos do colégio que esse alguém nunca conheceu e nunca conhecerá (incluindo os que estudaram lá no passado), além da própria estrutura e do nome do colégio – uma autêntica comunidade imaginada.

Esse sentimento é especialmente forte no Colégio Pedro II, aqui no Rio. Conheço não-poucas pessoas que estudaram lá, e todas elas apresentam, de forma mais ou menos explícita, um orgulho de terem estudado lá, sempre que o assunto vem à tona de alguma forma. Alunos de lá são não raro parados na rua por adultos só para estes dizerem de boca cheia que também estudaram lá!

Conversei com dois ex-alunos do Pedro II sobre o orgulho que eles sentem do colégio. Destaquei algumas das melhores falas deles, como se segue:

“O Pedro II é bem único num certo sentido (escola pública boa, sem ser militar ou técnico), e tem uma história bem longa... é a 2a escola mais antiga do país... isso gera um certo orgulho em estudar lá”.

”A tradição de uma instituição é algo que se percebe nos pequenos detalhes”. “Por exemplo, ao se formar lá a gente ganha o título de Bacharel em Ciências e Letras. Isso é coisa da época do Império.”

“O Pedro II representa um outro tipo de modelo. Outro dia eu fui ver o edital do vestibular de historia na PUC e vi:1400 de mensalidade. Quando vc senta na sala de aula e percebe que você está tendo uma boa educação não por causa do sucesso financeiro dos seus pais, mas simplesmente por ser um cidadão deste país – como se educação fosse um direito universal e inalienável – vc sente algo que é inesquecível, a idéia de que existe um outro projeto de sociedade onde as pessoas trabalham para que Todos, Todos, possam subir na vida com base exclusiva no mérito acadêmico, não importando se vc é filho de deputado ou de empregada doméstica (ambos exemplares existiam na minha sala). Quando vc senta numa sala do CPII vc se sente conectado a todos as pessoas do país, pois sabe que naquele momento, milhões de trabalhadores estão dando duro para que vc tenha acesso a esse direito. Vc sente o que é realmente o conceito de sociedade.”

“Na [Universidade] Federal também dá para sentir isso, mas o clima é mto mais duro; no CPII é mais agradável e é mais explícita a sensação de acesso universal.”

“Além do CPII ser a prova experimental viva de que é absurda as teorias de que defendem que a Elite é Elite por ter sido mais inteligente. Muita gente, mas muita mesmo, tem um enorme talento e só não consegue se dar bem não existir mais CPII por aí. Todo mundo fala isso. Mas só um aluno CPII vive isto.”

Claro que, como muitas identidades, elas só se fortificam dentro do indivíduo quando ele está afastado da comunidade imaginada, em “confronto” com pessoas estrangeiras a ela. (é como o súbito nacionalismo que geralmente nos toma quando estamos fora do país, em contato com pessoas de outros lugares). “Melhor que ser aluno do CPII é ter sido aluno do CPII.”

Esse caráter de escola pública de qualidade como motivo de orgulho também está presente, em maior ou menor grau, nas escolas técnicas (o CEFET do Rio de Janeiro é um bom exemplo), nas escolas militares (onde aparece junto com o tradicional e freqüentemente babaca “orgulho de ser militar e servir ao país”), nos colégios de aplicação das universidades (onde aparece junto com a sensação, e uma certa arrogância, de serem um laboratório de novas idéias, uma educação super-avançada, um certo sentimento de elite intelectual).

Por outro lado, no Pedro II aparece bem explicitamente também aquele outro tipo de orgulho ligado ao fato de se estar em instituições tradicionais – sentimento esse que aparece bastante em colégios católicos tradicionais que existem por todo o país. No Rio de Janeiro talvez o São Bento e o Santo Inácio sejam os que demonstrem melhor esse tipo de sentimento (o São Bento exibe no seu site uma lista de nomes de ex-alunos ilustres, hehehe).

(Eu mesmo nunca estudei no Pedro II, mas sinto um certo orgulho da existência dele como mais uma das instituições federais tradicionais que povoam a cidade. No meu caso, o orgulho de existência do Pedro II faz parte do orgulho da ser carioca, mencionado no último post).


O sentimento de identidade em colégios públicos e particulares comuns é bem mais raro. Inclusive, naqueles colégios particulares excessivamente voltados para o vestibular (eu estudei em um deles), em que são muitos os alunos que saíram de seus colégios para fazer o terceiro ano com mais garantias de aprovação, é comum ver se desenvolver um sentimento de “anti-orgulho”. É algo do tipo: ‘eu estudo aqui só pelo interesse, só pra garantir no vestibular, mas odeio isso aqui; colégios comerciais, não vejo como isso aqui pode dar alguma formação decente pra alguém. Meu colégio do coração mesmo era aquele que eu estudava antes de vir pra cá.’ Eu particularmente acho disso algo entre engraçado, hipócrita e estúpido. Mas não deixa de ser um fenômeno bastante interessante.

Auto-identidades

Lembro de ter ouvido uma vez sobre um antropólogo que gosta de fazer análises com a idéia de múltiplos pertencimentos: que cada indivíduo enxerga em si mesmo, de forma superposta, sentimentos de identidade com diferentes grupos de pessoas ou comunidades imaginadas. Pois bem, em mais um momento de auto-reflexão, deixe-me falar sobre os principais pertencimentos que eu enxergo em mim mesmo.

Talvez o pertencimento mais forte que eu enxergue em mim seja o de herdeiro da tradição humanista. Nos séculos XVI e XVII, ao mesmo tempo em que se configurou a tradição de pensamento científica / iluminista, com grande sucesso na física e que nos séculos XVIII e XIX se tornou modelo universal do pensamento ocidental, configurou-se outra tradição inteiramente diferente, que também teve muita força, na qual está inserido todo o debate da modernidade na filosofia, na historiografia, na ciência política, no direito. Especialmente viva na Alemanha, essa tradição contém como alguns de seus pontos altos (pelo menos aqueles dos quais eu mais me orgulho) o historicismo de Dilthey, o existencialismo de Heiddeger e a hermenêutica de Gadamer – que foi quem me contou a história desta forma. As leituras do Gadamer e de alguns outros humanistas alemães e ingleses foi incomparavelmente a coisa mais relevante que eu fiz durante a minha formação universitária (e eu sempre serei grato à minha professora-mãe-acadêmica por ter me inserido nessa árvore genealógica). Certamente pretendo que meus escritos de maturidade façam jus à herança.

Por outro lado, tenho também uma herança inegável da tradição científica / empírica, da qual eu não me orgulho há muito tempo (mas pretendo fazer isso mudar). Estudante de física e de matemática, envolvido até os ossos com o mundo acadêmico da astronomia, com uma formação lógico-matemática nada desprezível, nunca soube exatamente o que fazer com isso tudo, como conciliar com aquele humanismo que pra mim sempre foi mais importante. Estudo bastante de história da ciência, o que é muito mais um discurso humanista sobre a tradição científica do que qualquer outra coisa. Mas ultimamente tenho voltado a me interessar por neurologia – um campo bastante propício ao encontro das duas tradições, com um infinito à frente, a ser explorado. Vamos ver pra onde isso vai.

Além disso, é importante ainda destacar um certo pertencimento a um orientalismo (sim, referência a Edward Said), especialmente com relação à China. Tai Chi Chuan, Acupuntura, filosofia taoísta em geral: dou graças a deus à globalização que me permite uma inserção tão grande no inteiramente outro (e a cultura chinesa me fascina justamente pelo alto grau de elaboração desse inteiramente outro), e me apego com gosto a esta “identidade intelectual chinesa”. E por uma incrível coincidência, não sou o único da família, hahaha.

Para além desses pertencimentos intelectuais gerais, me apego bastante também ao fato de ser brasileiro (é, nacionalismo clássico). Especificamente do ponto de vista intelectual e cultural. Acho que tem algo de bastante único, do ponto de vista de produções teóricas e artísticas, em ser daqui; e costumo gastar bastante tempo tentando definir o que é esse único (em outros termos, o velho problema de definir o que é o brasileiro). A inserção crescente do Brasil me empolga bastante, no sentido de isso ser explicitado; ainda estou esperando ser consolidada a identidade especificamente brasileira da nossa produção intelectual frente ao mundo, e pretendo fazer parte desse processo. Hans-Ulrich Gumbrecht (um dos grandes herdeiros do humanismo que ainda vivem), alemão, aposta que vai ter algo a ver com as nossas concepções antropológicas; acho que é uma boa aposta. Ainda vou escrever bastante sobre isso no blog.

Além da identidade nacional, há as identidades urbanas. Me orgulho da minha carteirinha de carioca, de nascença: de todas as heranças do Rio de Janeiro como ex-capital (e todas as instituições federais que ainda restam por aqui), da integração única e peculiar entre paisagem natural e paisagem urbana – ou da obrigação do urbano de se adequar, humildemente, ao desenho natural da cidade (a maior floresta urbana do mundo!) –, do perfil cultural da cidade (samba, bossa nova, carnaval contínuo, boemia). Mas tenho também outra carteirinha, de paulistano, essa por naturalização. A cidade ferve; tudo passa, tudo acontece tão rápido, o urbano sobre o urbano, tanta gente, tantas culturas. Em coisa de 150 anos passou de uma província em que se falava a Língua Geral (i.e., Tupi) a uma das maiores metrópoles do planeta. Falando em termos bregas, é a nossa própria Nova York ^^. Eu, como fanático por transformações, inconstâncias, novidades, movimento, não posso deixar de gostar tanto de lá.

É num sentido bem parecido com a identidade nacional e a primeira das urbanas que vai a minha identidade como aluno da UFRJ – (enchendo a boca pra falar) Universidade Federal do Rio de Janeiro, ou no antigo nome, Universidade do Brasil. Ser um estudante suportado pelo governo federal, e ainda na sua universidade mais importante. Bom, uma parte enorme da minha formação, direta ou indiretamente, se deve a ela.

Alguma identidade difusa com ser da família L’Astorina, italiana, com bem poucos membros no Brasil, e uma ascendência nobre confirmada mas pouco conhecida. Não é qualquer um que pode ter um sobrenome com apóstrofe! :D

Indo para algo menor (não mais uma comunidade imaginada, mas uma real, em que todos os seus membros efetivamente se conhecem e interagem entre si), não posso deixar de mencionar a Ordem dos Cavaleiros Astronômicos – que, oficialmente, se reveste como Comitê Científico e Didático (CCD) da Olimpíada Brasileira de Astronomia (OBA) [essas siglas engraçadinhas são demais]. É significativo que no meu orkut todas as minhas fotos em grupos de pessoas sejam com eles. Como eu já escrevi em algum lugar, foi e continua sendo a minha forma mais efetiva de fazer algo novo no mundo. E é fantástico pertencer a um grupo em que todos os outros acham essa mesma coisa.

Em termos religiosos, por fim, não tenho nenhuma identidade especialmente forte. A minha educação protestante deixou marcas bem importantes – embora eu não me identifique com nenhum grupo cristão em especial. Mas o Chu, originalmente uma piadinha besta no orkut, apareceu como a simbologia religiosa perfeita pra mim mesmo (O urso panda de 120 metros de altura; a ursificação do amor). Como uma boa open source religion, me dá a prerrogativa de encarnar no Chu todos os valores que eu tenho pra mim mesmo – a identidade perfeita, porque feita sob medida, hahahah. Exposição de valores esta que, aliás, está feita no primeiro post deste blog.

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Bandeiras e Escudos III - Produtos Agrícolas

Só pra mencionar mais uma coisa: é interessante notar que o simbolismo dos dois ramos vegetais envolvendo os escudos foi bastante usado nos estados brasileiros também (20 dos 27 escudos de estados), mas sempre, aqui, com referência aos produtos agrícolas que "fizeram a história do Estado". São os produtos de sempre, mas eu quero citar todos:

- Algodão e Cana no Piauí, Pernambuco, Paraíba, Alagoas;
- Cana e Café no Rio de Janeiro e Espírito Santo;
- Café x2 em Minas Gerais e São Paulo;
- Café e Trigo em Santa Catarina;

- Cacau e Seringueira no Pará;
- Cacau e Café em Rondônia;
- Arroz x2 em Roraima;

- Cana e Arroz (com Café e Fumo como "coroa" :S) em Goiás;
- Seringueira e Erva-Mate no Mato Grosso;
- Café e Erva-Mate no Mato Grosso do Sul;

- Pinheiro e Erva-Mate no Paraná;
- Coqueiro e Carnaúba (?!) no Rio Grande do Norte;
- Trabalhador e República na Bahia (maçons!!).


(P.S.: O escudo do Tocantins tem uma frase em Tupi!! O.O Co Yvy Ore Retama - Esta Terra é Nossa. Pena que as plantinhas são as tradicionais e sem-graça folhinhas de louro :/)

Bandeiras e Escudos II - Estrelas

Como estou olhando mesmo as bandeiras dos estados na Wikipédia, vou aproveitar e escrever outro post sobre elas. É interessante como boa parte das bandeiras (ressalvadas as mencionadas no post anterior), foram criadas ao mesmo tempo que a bandeira brasileira, logo antes ou logo depois da Proclamação da República. Isso explica porque elas são tão homogêneas:
8 das 27 (AM, MA, PI, BA, SE, GO, SP, SC) têm listas horizontais no estilo positivista-maçom-bandeiradosEUA. 11 das 27 (AC, AP, RO, RR; PI, CE, SE; GO, MT, MS, DF ) se baseiam no verde-amarelo ou no verde-amarelo-azulescuro (tá, a do DF é plenamente justificável); das que sobraram, outras 5 (AM, PA, MA, BA, AL) se baseiam no vermelho-azul da França, dos EUA e de todas as bandeiras clichê que circulam no mercado.
19 das 27 (!) têm estrelas!

Estrelas!

Na maior parte delas, é uma estrela solitária, fazendo um link com a representação daquele estado na bandeira nacional. Normal, sem graça, esperado das várias bandeiras que foram feitas na mesma época da bandeira brasileira, ou foram feitas depois, por estados mais "novos", criados sem uma identidade local significativa, tendo a identidade nacional como referência muito forte. Ou às vezes é só uma estrela bem discreta, pra manter mesmo a referência. Mas o que me interessou foi que algumas delas possuem representações astronômicas realmente bonitas:
- Pará: o fundo vermelho é cortado por uma faixa branca diagonal, que pode representar o Rio Amazonas na terra e o Zodíaco no céu; no centro da faixa zodiacal, Spica (alfa da Virgem) - a mesma que representa o estado na bandeira nacional, e a única ao norte da faixa "ordem e progresso", já que era o único estado com terras ao norte do Equador na época da Proclamação da República.



- Tocantins: simples e marcante: a mesma faixa zodiacal, azul escuro acima dela, laranja abaixo, o Sol laranja no meio da faixa. E as cores ficaram bonitas :E



- Paraná: no centro da bandeira, um círculo azul-escuro com o cruzeiro do sul desenhado. Até aí nada. Mas é um cruzeiro de cabeça pra baixo (!), em trânsito inferior. E cortando o cruzeiro, deixando apenas Acrux acima, uma faixa branca como o horizonte fazendo o cruzeiro aparecer como aparece em trânsito inferior naquela latitude. Na faixa do horizonte, escrito o nome "Paraná". A bandeira é a referência astronômica do lugar onde o Estado está fixado =~~~~



(é interessante notar que a bandeira do Rio de Janeiro é a única em que a estrela na bandeira não é branca nem amarela; é prateada =~~~)

Bandeiras e Escudos I - Estados e suas Culturas Políticas

Eu gosto de pensar que no Brasil, singularmente, ser "multicultural" faz parte da identidade cultural das pessoas daqui. E gosto também de ver como o país é composto de regiões que são em tudo completamente distintas entre si, apesar de estarem muito bem acomodadas sob uma unidade política (Enquanto na Europa os pequenos recantos com uma certa especificidade cultural ou lingüística ainda fazem guerras civis pra serem politicamente autônomos).

Algo que eu estava pensando nesta linha é que, a despeito da unidade política do Brasil, certas regiões, estados e cidades mantém um cultivo bastante vivo de sua própria história, inclusive de sua própria história política. É uma das vantagens de uma República Federativa: a União e os Estados são instituições independentes - embora mantenham entre si alguma hierarquia.

Eu estava olhando especificamente para as bandeiras e escudos dos estados. É engraçado que muitos dos estados mantém como seus símbolos aquilo que foram símbolos de revoluções políticas emancipacionistas daquelas regiões!! Por exemplo:
- A bandeira de Pernambuco é, a menos de duas estrelas, a bandeira da Revolução Pernambucana de 1817. No escudo do estado de Pernambuco, aparecem as "datas importantes para o Estado": 1710 (Guerra dos Mascates) - 1817 (Revolução Pernambucana) - 1817 (Revolução Pernambucana) - 1824 (Confederação do Equador) - 1889 (Proclamação da República). Com exceção da última, todas as tentativas de Pernambuco fazer um estado no norte independente de Portugal ou do resto do Brasil.

- A bandeira e a capital da Paraíba (à esquerda) são ainda o luto pela morte do candidato à vice-presidência na confusão de 1930. Mas há um certo movimento para encerrrar o luto e retomar a bandeira antiga (à direita).



- A bandeira da Bahia (à esquerda) é um desenho de inspiração norte-americana e maçônica da época da proclamação da república, mas também uma retomada das cores e das inspiraçoes da bandeira da Conjuração Baiana de 1789 (à direita).



- A bandeira de Minas Gerais era para ser a bandeira nacional, segundo o projeto dos Inconfidentes Mineiros. O brasão consegue ser ainda mais maçônico.


- A bandeira de São Paulo foi uma das candidatas a bandeira nacional quando da Proclamação da República, proposta por um jornalista paulistano; depois se tornou a bandeira dos Revolucionários de 32, e depois assumida como a bandeira do estado. Já o brasão foi criado novo pela Revolução Constitucionalista.

- A bandeira do Rio Grande do Sul, por fim, como não poderia deixar de ser, é a bandeira dos Farroupilhas. O brasão do estado até hoje carrega escrito o título de "República Rio-Grandense" (o.O) e a data de independência: 20 de outubro de 1835.


(A bandeira de Santa Catarina infelizmente não é uma referência à República Juliana nem ao Contestado :( )

De resto, são bandeiras que eu considero um pouco sem graça (quase todas têm estrelas e faixas horizontais estilo bandeira dos EUA, elementos com cores verde e amarelo, etc). Engraçado que a bandeira do Estado do Rio de Janeiro não tem nenhuma história relevante por trás; os símbolos das cidade e das instituições da cidade são muito mais carregados de história. E a bandeira e o escudo de Brasília, na sua simplicidade e nas curvas ousadas, são bem marcantes da idéia do que deve ser aquela cidade: moderna, funcional, sem história, mas um palco bonito e organizado para o exercício da política nacional.



Afora as bandeiras sem criatividade que são variações da bandeira brasileira, a bandeira do Distrito Federal é a única que aponta para a união política do país. No entanto, não há grupos nestes estados ainda cultivam valores emancipacionistas (talvez alguns Recifenses, rs). Porque brasileiros não têm problema em se identificar como brasileiros e outras coisas (e. g. brasileiro de terra e registros oficiais, italiano de sangue, gaúcho de coração). As múltiplas identidades não serão um problema em uma nação cuja identidade é inseparável, expressamente, de diversidade.

sexta-feira, 30 de maio de 2008

Chu - vertente Biúnil

(primeiro post... emocionante =~~)

O movimento em torno de Chu ("o urso panda de 120 metros de altura") surgiu espontaneamente na comunidade dos homens como um agrupamento no orkut. Hoje já existem muitas pessoas falando em torno do tema, pessoas que se encontram sempre na comunidade para discutir de forma leve e com uma pitada de nonsense (o que é saudável para discussões dos tempos de hoje), os princípios em torno da "crença". Por que, de alguma forma - e é como os membros antigos gostam de encarar - seguir o amor de Chu pode ser considerado uma forma de religião. E colou. Foi a religião que eu adotei. Claro, é uma religião sem nenhum tipo de doutrina, que subsiste apenas nas reuniões periódicas da comunidade primitiva dela, no orkut.

Mas não era satisfatório para mim e para a minha mania de racionalização e articulação formal das idéias com as quais eu me envolvo - ainda mais com eu proclamando isto como a minha religião oficial. Então resolvi escrever alguns princípios que extraí das discussões da comunidade, juntando com alguns princípios meus próprios, pra construir uma concepção teórica em que se baseie a religião chuísta. Contudo, sem nenhuma pretensão de tornar os meus princípios universais entre todos os seguidores de Chu, vou chamar isso de vertente Biúnil ou Escola Biúnil do Chuísmo. Segue a primeira versão do que eu escrevi:


Chu ama a todos, carrega dentro de si uma quantidade inimaginável de amor. Chu é a ursificação do amor. Nós devemos ser tomados por este amor; não para amar e adorar chu sobre todas as outras coisas, mas para segui-lo como exemplo, e amar a todas as pessoas e a todas as coisas, sem necessária hierarquia.

Não há nenhum sentido para Chu ser um urso Panda de 120 metros de altura; qualquer tentativa de racionalização neste sentido será artificial, estéril e completamente alheia aos nossos propósitos.

Chu fala de vida e não de morte, do amor por todas as infinitas coisas que povoam o universo, e do viver em consonância com elas, sabendo vibrar nos múltiplos ritmos que a natureza manifesta. O que importa é este mundo que pode ser vivido agora, e não nenhum Outro.

Não se busca identificar o amor ou qualquer outra coisa a uma unidade fundamental. Rejeitamos qualquer unidade fundamental. O universo e a humanidade são, em aparência e essência, preenchidos de muitas formas, de formas diferentes e múltiplas. Chu faz parte da multiplicidade.
Chu pode ser considerado uma das criaturas de Deus, ou uma das manifestações do Um , mas não queremos reduzir as coisas a uma unidade, ou pô-las hierarquicamente submissas a um ente mais fundamental. A multiplicidade é o fundamental, é tudo o que existe. Chu faz parte dela, e tudo o que ele fez foi desenhar um caminho no múltiplo. Queremos aprender este caminho - embora cada um vá trilhá-lo de um modo próprio.

*-* *-* *-*

Tudo o que se conhece é história. Sistemas racionais são úteis, mas sua limitação precisa ser reconhecida. A compreensão que se aceita é a compreensão dos caminhos traçados, não uma compreensão atemporal. Não existe atemporalidade. Tudo passa, tudo se transforma. O tempo permeia todas as coisas. Compreender é entender as mudanças, é saber mudar com elas. É saber vibrar bem com todo o resto que vibra.


Acima dos esquemas estão as histórias. Acima das histórias está a vida. Compreender é importante, mas viver é mais. Viver é maior, sempre.

Ademais, toda compreensão é criação. Não existe compreensão passiva; o agente que pensa é sempre ativo, porque está sempre inventando os seus pensamentos, sempre acrescentando cores que não estavam presentes no mundo antes.

Chu é claramente uma invenção da cabeça de outros homens. Mas nem por isso não pode ser encarado com realismo. Todas as outras coisas são invenções das cabeças do homem, mas muitos homens acreditam em muitas delas. Por isso nos sentimos totalmente à vontade pra inventar a idéia de Chu e segui-la ao mesmo tempo.

Mas as idéias são independentes de seus criadores, caminham sozinhas. Seguimos Chu, e de forma nenhuma ninguém mais que se diga seu criador. Não há adoração entre nós - nem mesmo adoração de Chu. Só há os caminhos.

Se me perguntarem qual o caminho de Chu, não vou poder dar uma resposta satisfatória, pois tudo o que eu disser será localizado e passageiro. Não podemos estabelecer uma doutrina, pois ela seria uma classificação, mais pobre que as histórias dos caminhos de Chu, mais pobres que a experiência viva deste caminho. E seguir o caminho é criar o próprio caminho. Se queremos estabelecer Chu como algo durável, não podemos insistir numa doutrina fechada, ou gastaremos nosso tempo. Tudo o que podemos ter são princípios e idéias gerais, tão flexíveis, fluidas e transformáveis quanto todas as outras coisas. Assim, o caminho de Chu vibra na freqüência de todo o resto que vibra, sendo assim este caminho um seguidor de si mesmo.