quinta-feira, 24 de abril de 2014

O Albergue do Longínquo

[Resolvi começar a usar esse blog obscuro pra coisas obscuras que eu faria em emails, tipo escrever resumos de livros pra mim mesmo ou pra pessoas próximas. Vai que alguém, fazendo buscas obscuras, encontra isso aqui e acha útil. É bom sempre deixar a informação circulável, pelo menos potencialmente.]


Estive lendo nos ultimos dias um livro de um francês parça, Antoine Berman, sobre tradução [A Tradução e a Letra ou o Albergue do Longínquo, versão traduzida em 2013 pelo PGET/UFSC (especificamente por Marie-Hélène Catherine Torres, Mauri Furlan e Andréia Guerini]. Achei as ideias boas então resolvi resumir.

Que tradução de palavra por palavra ao pé da letra é uma ideia ruim, isso é sabido por todos. Mas o seu oposto, herdado do Império Romano, também é ruim, como definido pelo romano São Jerônimo:

sede quasi captivos sensus in suam linguam uictoris iure transposuit
[mas os sentidos, como que capturados, transladou-os à sua língua, como um direito de vencedor]

non uerbum e uerbo, sed sensum exprimere de sensu
[não traduzir uma palavra a partir de outra palavra, mas o sentido a partir do sentido]


Assim, tradução, para os romanos e até hoje, é anexação, transculturação, é etnocêntrica e hipertextual (porque encaixa o texto em um horizonte literário que lhe é estranho). Ou, indo às palavras do autor (que são bonitas e abundantes):

Aplicada às obras, a cesura platônica sanciona um cetro tipo de "traslação", a do "sentido" considerado como um ser em si, como uma pura idealidade, como um certo "invariante" que a tradução faz passar de uma língua a outra deixando de lado sua casca sensível, seu "corpo": de sorte que o insignificante, aqui, é antes o significante. Do mesmo modo, todas as línguas são uma(s) pois nelas reina o logos, e é isso que, além das suas diferenças, funda a tradução. Esta última deve estabelecer-se na esfera da idealidade e fornecer a prova da existência deste puro logos constitutivo de toda língua como tal. Desta forma é negada não somente a confusão de Babel, o "fantasma assustadora da multiplicidade de línguas, mas também o fato de que esta multiplicidade tenha um sentido qualquer. A tradução é, por assim dizer, a demonstração da unidade das línguas. Assim como São Paulo dizia: "Morte, onde está tua vitória?", ela diz: "Babel, onde está tua vitória?" Logo ela é a boa nova da traduzibilidade universal.

Mas em que esta captação platônica do sentido é "etnocêntrica"? Em que esta negação de Babel é ao mesmo tempo uma redução? Partir do pressuposto que a tradução é a captação do sentido, é separa-lo de sua letra, de seu corpo mortal, de sua casca terrestre. É optar pelo universal e deixar o particular. A fidelidade ao sentido opõe-se -- como para o crente e o filósofo -- à fidelidade à letra. (...) Mas esta infidelidade à letra estrangeira é necessariamente uma fidelidade à letra própria. O sentido é captado na língua para a qual se traduz. Para tanto, deve ser despojado de tudo que não se deixe transferir. A captação do sentido afirma sempre a primazia de uma língua. (...) Pois a captação não libera o sentido numa linguagem mais absoluta, mais ideal ou mais "racional": ela o encerra simplesmente numa outra língua, considerada, é verdade, como mais absoluta, mais ideal e mais racional.

Pois desce que se concebe o ato de traduzir como captação de sentido, algo vem a negar a evidência e a legitimidade desta operação: a adesão obstinada do sentido à sua letra. Tradutores, autores e leitores sempre sentiram isso. Essa opéração conquistadora e exaltante, essa demonstração da unidade das línguas e do espírito, está maculada por um sentimento de violência, de insuficiência, de traição. Steiner fala, com razão, da tristeza que acompanha desde sempre o ato de traduzir. Há, evidentemente, nessa experiência, um sofrimento. Não somente aquele do tradutor. Também aquele do texto traduzido. Aquele do sentido privado de sua letra.
(...)
Mas o que é negado -- o corpo -- se vinga. A tradução descobre às suas custas que letra e sentido são, ao mesmo tempo, dissociáveis e indissociáveis. Não importa que a dissociação seja filosoficamente ou teologicamente legitimada, pois na tradução aparece algo irredutível à cisão platônica. Ainda mais: a tradução é um dos lugares onde o platonismo é simultaneamente demonstrado e refutado. Mas essa refutação, longe de abalar o platonismo, recai fortemente sobre a tradução. Se letra e sentido estão ligados, a tradução é uma traição e uma impossibilidade.

Tal é a consequência da definição etnocêntrica e hipertextual da tradução. E o que explica o estatuto oculto, rechaçado, vergonhoso dessa atividade. Quantos tradutores interiorizaram esse estatuto e se desculpam por antecipação com o leitor da imperfeição, da presunção de seu empreendimento! Chapiro, tradutor para o francês dos Irmãos Karamazov, não hesita em dizer que ele não conseguiu "escapar da danação original que pesa sobre todo empreendimento de tradução".

Claro que toda tradução é uma interpretação e, como tal, envolve "deformar" a obra sob os horizontes do seu próprio tempo e da sua própria cultura. Aliás, ele faz um catálogo útil de 13 formas comuns de deformação de uma obra, focando-se na prosa literária (que não devem ser metodologicamente combatidas, é claro, mas devem ser conscientes).
  1. Racionalização: rearrumar as frases traduzidas segundo uma certa ideia de ordenamento do discursos. Especialmente frequente em frases densas ou cadências incomuns. Incide sobre a pontuação, a ordem das frases, a escolha de vocábulos mais abstratos, etc. 
  2. Clarificação: caso particular de cima focado no sentido. Onde o original se move sem problema (e com uma necessidade própria) no indefinido Isso pode ser tão violento quanto a adição de frases ou perífrases explicativas, mas mesmo a escolha de uma opção quando há uma palavra polissêmica já é uma distorção desse tipo. 
  3. Alongamento: toda tradução tende a ser mais longa que a original, em parte por causa da racionalização e clarificação. Em muitos casos, esse alongamento não acrescenta muito, só aumenta a massa do texto "sem aumentar sua falância ou significância", mas obscurecendo o original com sua classificação e afrouxando o ritmo da obra. 
  4. Enobrecimento: fazer o texto parecer mais belo do que ele é, usando uma linguagem mais poética ou mais retórica ou com mais imagens classicizantes onde o texto original era simples e concreto. 
  5. Empobrecimento qualitativo: substituir termos, expressões, modos de dizer, etc. do original por outros que não tem a mesma riqueza sonora ou icônica. ("Quando se traduz a palavra peruana "chuchumeca" por "puta", consegue-se certamente devolver o sentido, mas nunca a verdade sonora e significante desta palavra. É assim com todos os termos chamados normalmente de 'saborosos', 'densos', 'vivos', 'coloridos' etc, epítetos que remetem a essa corporeidade icônica da palavra.") 
  6. Empobrecimento quantitativo: as obras costumam ter redundância, abundância vocabular, etc. e isso frequentemente desaparece na tradução. É frequente, aliás, o texto traduzido ser quantitativamente mais pobre e ao mesmo tempo mais longo. 
  7. Homogeneização: A prosa é sempre heterogênea e polifônica, meio sem forma, não cabe na mão (diferente da poesia). E o tradutor acaba homogeneizando ela, escrevendo ela de uma maneira só. 
  8. Destruição dos ritmos: É um problema óbvio da tradução de poesia, mas acontece na prosa também. Ele dá um exemplo de um texto que tem o ritmo de um trenzinho atravessando o País de Gales e esse ritmo totalmente se perdeu na tradução. E de um outro cujo original tinha apenas quatro sinais de pontuação e a tradução, 22). 
  9. Destruição das redes significantes: Toda obra comporta um texto subjacente, onde certos significantes-chave se correspondem e se encadeiam, formando redes sob a superfície do texto. Ele dá o exemplo dos Sete Loucos de Arlt, em que aparecem, as vezes em capítulos diferentes, palavras aumentativas (portalón, alón, jaulón, portón, gigantón, callejón), que dão um tom para a intensidade dos pesadelos. Se uma tradução as substitui pelos termos comuns para essas palavras (portaiel, aile, cage, vestibule, géant, passage), essa dimensão se perde. 
  10. Destruição dos sistematismos: os textos tem também ocorrências sistemáticas (a escolha de um tipo de tempo verbal ou de oração subordinada ou de pronome demonstrativo, etc.). Assim, mesmo que a tradução seja mais homogênea no sentido de apagar a polifonia, ela costuma também ser mais incoerente, no sentido de não transmitir esses sistematismos. Daí o texto não soa como um texto verdadeiro, fica com a cara de uma tradução servil. 
  11. Destruição das redes de linguagens vernaculares. As línguas cultas, para as quais se traduz, em geral são menos corporais, menos icônicas que os registros regionais, coloquiais etc., que frequentemente são usadas nos textos (a retomada oralizando é frequente, por exemplo, em boa parte das literaturas latino-americana, italiana e mesmo norte-americana do século XX). Supressão dos diminutivos, substituição dos verbos ativos por verbos com substantivos (o peruano "alagunar-se" tornando-se, na língua culta, "transformando-se em laguna"), transposição os significantes vernaculares ("porteño" por "habitante de Buenos Aires"). Uma solução que se usa é manter o termo vernacular como no original, em itálico, isolando-o onde, originalmente, não havia qualquer isolamento. Outra é acrescentar algo ao termo para "torna-lo mais verdadeiro", reforçando qualquer estereótipo do vernacular em questão (essa estratégia é chamada de "exotização", e dá vergonha alheia) (acontece também quando se troca um vernáculo por outro, por exemplo tusando as gírias de Paris pra traduzir o lunfardo de Buenos Aires, ou o falar dos camponeses russos. Tudo bem fazer releitura, mas isso é matar a obra). 
  12. Destruição das locuções: um caso particular do de cima são as expressões locais (como "He did not care a tinker's curse"). Em muitos casos, essas expressões possuem correspondentes na outra língua, mas substituir uma expressão por outra também é etnocêntrico e atenta contra a falância do texto (por exemplo, quando se traduz Le monde appartient à ceux qui se lèvent tôt por Deus ajuda quem cedo madruga). 
  13. Apagamento das superposições de línguas: Na verdade uma prosa nunca tem só um registro vernacular, ou um registro culto. Mas várias vozes, que se expressam em vários registros linguísticos diferentes. Por exemplo, a tensão entre guarani e espanhol em Roa Bastos, ou a tensão entre espanhol da Espanha e espanhóis latino-americanos em Tirano Banderas, ou entre os diferentes níveis de alemão em Thomas Mann. 

Mas cabe se perguntar qual o objetivo geral de uma tradução, seu objetivo "transtemporal" (um historicista odiaria ouvir isso, como o próprio autor comenta, pq afinal a ideia de tradução tomou muitas feições distintas ao longo da história). Antes, no início, o autor já tinha colocado na mesa suas cartas existencialistas, negando que a tradução possa se definir por teoria ou por método, mas se coloca como experiência e como reflexão sobre essa experiência. Que não é guiado por qualquer supraestrutura, mas que acontece enquanto acontece e, no processo, alguém, sendo invadido por algo que lhe transcende, pode se orientar por suas reflexões, informadas pela filosofia e, plausivelmente, por isso que ele pretende apresentar como o "objetivo puro da tradução".

Uma das justificativas pras práticas etnocêntricas é a de facilitar a comunicação da obra para seu público, da mesma maneira que faz a tradução da vulgarização científica. Mas esse processo é por vezes tão violento que destroi a obra. Por outro lado, toda tradução é uma violência. Fica-se no dilema: ou se diz nada a todos, ou se diz tudo a ninguém. Mas o objetivo da tradução não é comunicar nada. Ele cita uma crítica do Benjamin:

Mas o que "diz" um poema? O que comunica? Muito pouco para quem o compreende. O que há de essencial não é comunicação. não é enunciação. Uma tradução, no entanto, que queira comunicar só poderia transmitir a comunicação -- portanto, algo inessencial. Está nisso também um dos sinais que permite reconhecer uma má tradução [...] uma transmissão inexata de um conteúdo inessencial. Este será sempre o caso da tradução que se propõe servir ao leitor.

Uma obra é uma manifestação. Manifestação do Absoluto (de algum absoluto), do contato com algo que passamos a entender e a sentir (no nível mesmo das paisagens mentais) depois que nos encontramos com a obra ("Numa obra, é o 'mundo' que, cada vez de uma maneira diferente, se manifesta na sua totalidade. Toda comunicação concerne a algo parcial, setorial. A manifestação que a obra é, concerne sempre a uma totalidade"). No sentido heiddegeriano mesmo. E a tradução, com sua exigência ética tradicional de ser fiel à obra (seja lá o que isso signifique), procura re-acolher essa manifestação no espaço da sua própria língua. Realizar a manifestação de uma manifestação. Essa manifestação não pode ser totalmente aclimatada pois senão ela é morta. Usando uma linguagem mais classica,
sob a figura do Estrangeiro (por exemplo, do suplicante), o homem encontra Deus ou o Divino. Acolher o Outro, o Estrangeiro, em vez de rejeitá-lo ou de tentar dominá-lo, não é um imperativo. Nada nos obriga a fazê-lo. Aquiles, na Ilíada, pôde desdenhar de Príamo suplicando, e tudo o leva a fazer isso; mas pôde também atender à súplica, e assim, aceder a uma esfera que transcende a das suas proezas épicas. Essa escolha ética é certamente a mais difícil que há. Mas uma cultura (no sentido antropológico) só se torna realmente uma cultura (no sentido do humanismo de um Goethe da Bildung) se for regida -- pelo menos em parte -- por essa escolha. Uma cultura pode perfeitamente se apropriar de obras estrangeiras (vimos que é o caso de Roma) sem nunca ter com elas relações dialógicas. (...). Ora, a tradução, com seu objetivo de fidelidade, pertence originariamente à dimensão ética. Ela é, na sua essência, animada pelo desejo de abrir o Estrangeiro enquanto Estrangeiro ao seu próprio espaço de língua. (...) a tradução é, em sua essência, o "albergue do longínquo" [l'auberge du lointain].

Daí ele analisa três traduções clássicas que podem ser consideradas exemplares.

A primeira é a tradução de Holderlin das obras de Sófocles, no século XIX, que deliberadamente modifica o texto grego para intensificar a dimensão de emergência do sagrado dele, em vez de ser fiel à dimensão de clareza conceitual do texto (que é menos "estrangeira" para o meio alemão de então).
Essa acentuação, na medida em que revela o ocultado do original, é uma manifestação. E dado que essa manifestação só pode se produzir transformando a obra em alguns dos seus traços, ela é uma violência. Uma violência dupla, já que atenta contra o original seja para aproximá-lo, diz Holderlin, do nosso "modo de representação", seja para aproximar-nos deste modo -- e isso será a tradução "literal" onde o grego invade o alemão, produz o que Hofmannsthal chamava das Griechisches der deutschen Sprache [os elementos gregos da língua alemã]. Mais ainda: esta tradução "literal" irã num duplo sentido: reencontrar as significações primeira das palavras gregas mas, para transmiti-las até n´so, chegar ao sentido original das palavras alemãs, usar a "velha língua" de Lutero, o dialeto suábio, etc. para tentar reestabelecer a força falante do grego pela força falante do alemão.
Ele usa principalmente três estratégias pra isso: (i) traduções hiperliterais (p. ex. traduzir o verbo kalkhainoo com seu sentido concreto original, ter a cor vermelha, me vez do derivado "estar melancólico, atormentado") ou mesmo modificações (traduzindo, por exemplo, os nomes dos deuses por expressões do que representam: Zeus por 'Pai da Terra', Ares como 'espírito da Guerra', demônios por 'deuses de nossos pais' ou 'deuses da outra margem' -- o que é ao mesmo tempo uma ocidentalização e um rejuvenescimento da força original do texto), (ii) recursos ao antigo alemão, também num sentido etimológico, não pra ser arcaizante, mas porque "todas essas palavras, dialetais ou antigas, tiradas do 'fundo' da língua são mais fortes, contribuem a edificar a grande língua selvagem que, além do classicismo, deve falar na tragédia", (iii) reconstruções de frases, de forma a ficarem mais brutais, mais fortes (onde o francês Grosjean traduz "Eis aquela que cometeu o delito / Surpreendemo-la enterrando. Onde está Creonte?", Holderlin escreve "Foi ela. Foi ela que fez isso. Nós a pegamos fabricando o túmula. Mas onde está Creonte?").


Depois tem a tradução de Chateaubriand do Paradise Lost de Milton. Ele faz uma tradução muito latinizante no francês, para recuperar o tom latinizante que o texto do Milton tem em inglês. Pra isso recorre também a raizes incomuns que o francês tem em comum com o inglês. E cria neologismos mesmo, como, segundo Berman, toda grande tradução faz (afinal, é razoável que essa manifestação da manifestação exija novas palavras). E essa coisa de mediar a tradução por uma terceira língua (ou quartas e quintas e sextas) é uma maneira importante de permitir essa abertura.

Depois a Eneida de Klossowski. Que é a tradução de um clássico depois da filologia ter monopolizado a palavra sobre os clássicos. Com sua precisão historicista de recuperação do sentido, convergindo com a arrogância dos métodos cientificistas, ela se arrogou o direito único de traduzir as obras clássicas e, não só isso, de comentá-las (as traduções filológicas vem recheadas de notas de rodapé para situar o leitor historicamente, esclarecer os sentidos, etc. Esse é um típico procedimento de assassinato do corpo da obra em nome de seu sentido (olhando assim, podemos nos espantar com como esse procedimento de rigor é incrivelmente conservador, no sentido cartesiano).
Pois o conhecimento "exato" de uma obra e de uma língua não habilita em absoluto à tradução e ao comentário. (...) Com o resultado, mesmo quando os textos clássicos são pela primeira vez acessíveis na sua integridade, que esses textos se tornam também, e pela primeira vez, ilegíveis, entediantes e estranhos à nossa sensibilidade. Assim, a filologia, ao "embalsamar" esses textos, consuma, sem se dar conta, essa ruptura com a tradição que acontece de outra forma no plano cultural e literário. É nesse momento -- e somente neste momento -- que Homero, Dante, Virgílio, etc. se tornam ininteligíveis, enquanto que a tradição, com suas traduções "inexatas", conservava com eles uma relação viva, feita de imitação e de recriação.
Mas claro que dá pra se relacionar com isso de uma forma positiva, retomando a vivacidade dos textos sem perder de vista a consistência da crítica filológica ("Esse processo conhece exceções, onde a filologia guardou a memória das suas origens românticas, onde ela ficou filologia, amor-da-língua, onde ela não se tornou erudição obtusa (...) Para estes grandes sábios, a filologia permanece presa no espaço da Bildung").

Uma estratégia que o Klossowski usa é fazer inversões nas sentenças francesas porque isso cria o mesmo tipo de tensão e foco que o latim permite, dando a impressão de que a tradução é literal mesmo quando não é, porque as inversões possíveis em francês são diferentes. "O que é traduzido é o sistema global das inversões, rejeições, deslocamentos, e não suas distribuições factuais ao longo dos versos".

quarta-feira, 19 de março de 2014

Budas epistemológicos

Na tradição vajrayana (literalmente, do carro de diamante) do budismo, tem os cinco dhyani budas ou budas da meditação. Cada um representa uma sabedoria específica e está associado a uma das cinco cores, cinco direções cardeais, cinco elementos, cinco animais, etc. Como essa é uma das coisas que não é feita pra se entender muito com palavras, não vou ficar explicando aqui. Minha humilde contribuição é apontar esse sistema quíntuplo como um sistema epistemológico interessante.

Os cinco budas são

  • O Azul (Akshobhya) é o da Sabedoria do Espelho: a sabedoria de ver o outro pelo ponto de vista dele próprio, o que gera disposição de acolhimento. Essa sabedoria é uma das grandes marcas das humanidades desde sua fundação no século XIX, no ideal historicista do Dilthey (de se transportar para a época e descrever os eventos históricos como faziam sentido à época, em vez de filiar os eventos a uma linha do tempo trans-histórica que, na verdade, é só o ponto de vista do presente) e na disposição na antropologia de se despir da sua cultura.
    Claro que essa disposição é idealizada (bom, os budas podem porque eles são budas) e nossa capacidade de se colocar no lugar do outro é sempre necessariamente limitada (somos sempre espelhos imperfeitos). A consciência explícita dessa limitação foi parte central da crítica, no século XX, ao idealismo do século XIX, com o reconhecimento, no olhar histórico, da impossibilidade de se despir do olhar do presente e, no olhar antropológico, da contaminação necessária da sua própria cultura (todo olhar pra outra cultura é um fenômeno de cross-culture).
  • O Amarelo (Ratnasambhava) é o da Sabedoria da Igualdade: a sabedoria de reconhecer o que é igual nas coisas, o que todas elas tem em comum, o que gera disposição de doação (ou o reconhecimento de que o que é bom para os outros é bom pra você, em algum grau). Essa é a disposição de qualquer filosofia de tipo platônica: a de buscar princípios e ideias gerais que unifiquem ou permitem compreender as coisas como casos particulares de algo maior. É uma disposição importante da filosofia natural e de posturas racionalistas em geral (se assumir como racional envolve, em geral, despir as coisas da sua diversidade para procurar coisas por trás), mas também de posturas místicas em geral (na tradição grega, ambas as coisas vem da mesma compreensão do conhecimento como aletheia, como desvelamento (literalmente, retirada de véus) do que é o que é, por trás do que aparenta ser. E o Platão é, a um só tempo, um herói dos racionalistas e dos místicos).
    Os limites dessa ideia de subsumir coisas a ideias gerais e seu consequente empobrecimento da realidade são tão repisados que não vale a pena repetir.
  • O Vermelho (Amitabha) é o da Sabedoria Discriminativa: a sabedoria de reconhecer o que é específico nas coisas, o que cada coisa tem de único e particular. É a sabedoria investigativa, catalogadora, esmiuçadora da história natural -- e dos seus descendentes, os cientistas experimentais, que frequentemente acusam os cientistas teóricos de serem amarelos demais. É também algo caro a filosofias realistas (compreender as coisas 'como elas são'), que acusam os racionalistas de serem amarelos demais. As lições aristotélicas se opõem às platônicas por causa do seu buda vermelho, embora o Aristóteles talvez também fosse amarelo demais.
    Mas é claro que ser muito extremista aqui faz você se afogar na multiplicidade infinita e, no limite, impede a produção de qualquer conhecimento por parte de mentes finitas. Mas há os que defendam (eu! eu! eu!) que é melhor o mundo ser experimentado, com todas as suas cores e texturas, que conhecido através de alguma sombra pálida.
  • O Verde (Amoghasiddhi) é o da Sabedoria da Causalidade: a sabedoria de reconhecer cadeias causais, saber reconhecer consequências de suas ações e, portanto, saber agir; é uma sabedoria de realização, forte e irada (como quando alguém grita a outro para que não atravesse a rua, enquanto um carro desavisado aparece e tira uma camada fina de células epiteliais). Saber da causalidade é a base de qualquer conhecimento prático, e é importante na ciência moderna porque ela nasceu de sabedorias práticas de artesãos (como a mecânica, aquela área mais tradicional da física, que procura resumir todos os fenômenos a choques e contatos determinísticos). Nas humanidades, o conhecimento prático mais difundido talvez seja a política (no sentido amplo mesmo): dominar as causas significa saber o valor da ação (a ação no presente que visa um mundo imaginado no futuro, desse jeito bem Era Moderna mesmo).
    Os excessos verdes são os excessos do determinismo e são tão inocentes quanto todos os outros excessos: é importante reconhecer que ninguém domina nada, que o mundo é caótico (oi discordianos) e que, mesmo na parte ordenada dele, há tantos fatores simultâneos que é difícil ter segurança sobre as consequências de uma ação.
  • O Branco (Vairocana) é a sabedoria do meio, o substrato das outras quatro sabedorias, a sabedoria do vazio fundamental de todas as coisas (as coisas só são o que são porque projetamos a luz do nosso olhar nelas; por trás dessa luz, há apenas uma resistência disforme, descaracterizada, descolorida, desconceitualizada, que são as coisas que "estão" antes da nossa percepção delas). Essa sabedoria não é costumeiramente encarada como algo positivo no ocidente, mas como um princípio negativo, de limitação e contenção das outras sabedorias (qualquer ceticismo epistemológico, partilha, em algum grau, desse olhar para o vazio). Mas ela pode ser buscada positivamente, desde que de modo não-conceitual (essa sabedoria é dessas que só aparece muito depois de se abandonar a estada da conceitualização, mas a nossa tradição não costuma sair dessa estrada). Por isso os budistas se calam, contemplam e repousam.

A beleza de cada um

Tem a velha questão de onde reside ou o que gera a Beleza. Essa questão é imediatamente bipolarizada pela pergunta sobre se existe uma ou algumas réguas universais de beleza ou se a beleza é algo apenas individual (tipo a "questão de gosto" kantiana) ou cultural.

Acho importante reconhecer o que existe de "universal" (não no sentido metafísico mas no cognitivo, que é pra onde todos os universais humanos migraram) na percepção de beleza. Dizer que 'é bonito apenas o que dizemos que é bonito' dá poder demais à cultura, gera um determinismo cultural análogo ao determinismo linguístico (ou à forma mais radical dele, em que o pensamento é totalmente limitado pela língua -- o que contradiz francamente a sensação, comumente expressa por filósofos e literatos, de que as palavras não conseguem capturar direito as ideias).

Mas com a ressalva de que isso não se opera de maneira simples, com um ou dois princípios orientando a estética e juízos do tipo "tal coisa é tida como bonita pq obedece a esse princípio". Devem ser vários princípios cognitivos que orientam a percepção de beleza (a começar dos princípios de boa forma da Gestalt), junto com vários elementos da cultura (p. ex. a semelhança ou a filiação ou qualquer reverberação de outras formas reconhecidas naquela cultura). Esses princípios aparecem em diferentes graus, reforçados ou desafiados (por exemplo em composições que querem transmitir tensão, desequilíbrio ou em todos os casos de "beleza do feio"), todos misturados, na criação de formas específicas que, uma vez criados pelas mãos de algum artista, entram na disputa (do tipo "seleção natural") das formas que se consagram em alguma cultura (e depois em outras culturas, uma vez que as culturas interagem o tempo todo). Por exemplo, a forma dos sonetos ou dos haikai, ou do contraponto musical, ou dos pontos de fuga nos quadros.

Daí que as pessoas serem bonitas dependem, em larga medida, delas acharem e fazerem sua beleza. De terem espelho em casa, se olharem, se tocarem, encontrarem padrões de beleza em si mesmas, construírem pra si uma forma, se identificarem com ela. A lapidação dessa forma envolve aspectos externos (a escolha de roupas, de corte de cabelo, de maquiagem) mas envolve um monte de coisas sutis, como postura, expressões faciais e corporais, o encadeamento do discurso no movimento do corpo, etc. Esse processo de auto-construção é mais fácil pra alguns que pra outros, por disposições psicológicas diversas (envolvendo auto-estima, p. ex.) e porque as expectativas ou os gostos formais de alguém podem casar mais facil ou mais dificilmente com o corpo que ele habita (isso inclui todas as pessoas que tem um gosto para corpos moldado apenas pelo mercado de beleza corporal, mas cujos corpos, em princípio, funcionariam sob algum outro padrão formal).

Em resumo: sejam bonitos, encontrem as belezas em vós.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Ridículo

O valor estético do Ridículo é importante na nossa vida pós-moderna. Especialmente na seleção de exemplos ou metáforas associadas a construtos teóricos (por exemplo, dizer que alguém receptivo e acolhedor partilha do arquétipo da Enfermeira Joy, do Pokémon). Escolher exemplos ridículos e não exemplos sublimes dá uma mundanidade necessária à ideia, porque mostra que ideias "elevadas" aparecem em dimensões tão triviais como a cultura pop, e mostra também que essas dimensões como a cultura pop carregam conhecimentos valiosos sobre as pessoas e a vida. E o recurso ao humor tira suas pretensões iluministas (de conhecimento verdadeiro), traz a lição discordiana (e da pós-modernidade) de que o excesso de seriedade e de crença na ordem nos cega. Nos lembra que a ideia teórica, como o exemplo escolhido, é apenas uma opção tirada de dentro do enorme armário das ideias fornecidas pelas tradições.

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Opressões

Esses tempos no Brasil nos empurram e nos acordam para a esquerda. Numa inspiração indiretamente derivada desses últimos meses, resolvi postar aqui as lutas "de esquerda" (no sentido de lutas de proteção a minorias e contra hegemonias que oprimem como modus operandi) com as quais eu me identifico ou me envolvo de alguma forma.

Em primeiro lugar, tem as causas maiores, que já alcançam (bem ou mal) vários setores da sociedade e estão no nivel das discussões na legislação:
1. contra a atribuição bipartida de gênero: os movimentos LGBT e as leis de proteção aos mesmos; 
2. contra a desigualdade na atribuição de gênero: os movimentos feministas e as leis de proteção às mulheres; 
3. contra os pedaços de cadáver zumbi das atribuições raciais: os movimentos negros e pró-memória e contato africanos; 
 4. contra a perseguição social de substâncias recreativas: as leis de legalização da maconha e de normatização decente do que mais vier, e as práticas decentes de amparo ao vício (que certamente não incluem internação compulsória); 
Em segundo, as causas que, não por serem menos importantes, pertencem a lutas menores mas que crescem e precisam crescer:
5. contra a normatização, pelo Estado e pela sociedade, das relações humanas: as Relações Livres
6. contra o imperialismo intelectual da ciência: o anarquismo epistemológico (cf. qualquer coisa do Paul Feyerabend); 
7. contra o preconceito linguístico (a última área em que é "ok" ser publicamente preconceituoso): a vitória dos linguistas sobre a gramática tradicional (cf. qualquer coisa do Marcos Bagno); 
8. contra a educação para a média, para os antigos e para ninguém: a educação democrática (p. ex. Escola da Ponte e suas derivadas, como a Politeia) e a educação personalizada (p. ex. a Geekie);
9. contra o urbanismo funcional tãaao século XX: os grupos de reapropriação da natureza coberta (p. ex. Rios e Ruas), de reapropriação dos espaços públicos como espaços coletivos (p. ex. as hortas urbanas) e, em particular, o cicloativismo. 

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Restos estruturais

Quando eu era adolescente, eu tinha a paranóia de conseguir fazer um mapa de todo o conhecimento, como as áreas de saber se dividiam e se agrupavam e tal. Eu queria um esquema universal, um pouco melhor que os que eu já conhecia (todos pareciam insatisfatórios, especialmente e em primeiro lugar a divisão tripartida entre "exatas", "humanas" e "biológicas" que a escola usava).

Em algum momento, me ocorreu que esses mapas mudam com o tempo (como não poderia deixar de ser, diria o meu futuro eu historicista), então que, para obter mapas bons, eu precisaria olhar para a forma como o conhecimento se organizava em épocas específicas (e justificar alguns mapas ruins de hoje em dia como mapas atrasados, de outras épocas). Em um terceiro momento, percebi que a coisa era mais complicada, porque as coisas velhas permanecem, como fósseis, entre as coisas novas, fazendo com que todo mapa desse tipo seja incoerente e anacrônico.

Esses restos de ordem antiga, que permanecem, incrustados e muitas vezes invisíveis, nas novas formas de organizar o mundo, aparecem em muitos domínios. Penso nos restos de língua que ficam escondidos em línguas novas, como nomes de rios e montanhas (os nomes tupi no Brasil e os nomes de origem desconhecida, mas provavelmente não indo-européia, na topografia da Europa), restos que o Daniel Roazen  chama de "substratos", fazendo analogia com as camadas de terra dos geólogos. Mas penso também em coisas físicas, como as casas velhas e os terrenos vazios na Av. Paulista, ou em qualquer outra avenida imponente (sempre há terrenos estranhos, porque a tendência urbana nunca cobre todos os espaços). E penso também em pessoas, como aqueles professores universitários velhinhos, que não estão nem aí para o modo como os cursos e a universidade se organizam hoje em dia, porque eles são resquícios vivos de uma outra maneira de ordenar as coisas (e porque novas ordens de pensamento não se impõem com as pessoas mudando de ideia, mas com as pessoas velhas morrendo e as jovens sendo educadas no novo paradigma).

Mas outro fenômeno interessante (o motivador inicial deste post) é quando uma área de tradição antiga é englobada, abraçada por uma área nova. O design, quando surgiu como um campo especificamente reconhecido (em algum momento entre a segunda revolução industrial e a Bauhaus), engolfou várias áreas que tinham uma tradição própria, como a tipografia. Hoje a tipografia é vista como uma área, uma especialização do design, mas ao mesmo tempo ela é algo com tradição própria: quando o design se definiu, os tipógrafos já existiam e estavam lá resolvendo seus próprios problemas. Coisas parecidas acontecem o tempo todo; um exemplo mais clássico pode ser a absorção, pelos filósofos naturais (futuros "cientistas"), das práticas alquímicas e herbárias.

Se lembrarmos que ideias (infelizmente?) não flutuam livres por aí, mas se restringem aos aquários das cabeças de pessoas, dá pra ver o que muda de uma situação para outra: as pessoas envolvidas (aquelas novas que são educadas no novo paradigma) têm um treinamento diferente e se identificam com uma comunidade diferente. Depois de algum tempo, todos os tipógrafos passaram a ser designers, com o treinamento e a perspectiva geral de um deles. Isso obviamente impactou o campo, trouxe problemas novos e novas maneiras de ver os problemas velhos. Em particular, essa questão aparece toda vez que se resolve montar um novo curso de graduação (pelo menos no Brasil e nos países em que os cursos têm estruturas rígidas) (e também foi uma questão que eu me deparei quando tinha dúvida sobre cursar física ou astronomia: caso típico em que uma subsumiu a outra, que contudo tem uma tradição própria mais antiga): eles servem para especializar, isolar as pessoas da classe mais ampla, o que às vezes é visto como necessário, para firmar um campo novo com identidade própria / exigências muito específicas, ou apenas um reflexo de uma especialização que já aconteceu no mundo da pesquisa.

sábado, 6 de abril de 2013

Como ser criativo (John Cleese)


Não costumo postar videos (nos últimos três anos, eu não costumava postar), mas esse é do John Cleese, um dos atores (e roteiristas) do Monty Python, o avatar do humor inglês nonsense. Existem milhares de sketches deles que eu amo e acho brilhantes, mas hoje quero postar um video sério (" ") do John Cleese, uma palestra dele chamada How to be creative:



A forma da palestra é bizarra e nonsensicamente boa, com piadas absolutamente imbecis introduzidas no meio da fala em momentos meio aleatórios (a partir de algum momento, começam a ser usadas para marcar a separação entre as partes da palestra). Além disso, o texto é muito bom, dialoga com um monte de ideias interessantes que flutuam por aí. Quero destacar algumas que me ocorreram:


  1. O mote inicial da primeira parte da palestra [no video, a partir de 6:30] é a distinção dele entre os modos aberto (relaxado, expansivo, inútil, contemplativo, humoroso e criativo) e fechado (ativo, tenso, impaciente, excitante, cheio de propósito) de trabalho humano. Lembra muito a dinâmica de Crise e Paradigma que o Thomas Kuhn usa como estrutura para a história da ciência. (eu pessoalmente não acredito em estruturas históricas, minhas religião é outra; mas preciso reconhecer que a noção de "paradigma" do Kuhn foi a ideia mais popular que a comunidade de história da ciência deixou para o resto da humanidade, até agora).
     
  2. A aproximação entre criatividade e jogo, no conceito de 'jogo' do Johan Huizinga: o homem é um jogador (homo ludens) tanto quanto é um sabedor (homo sapiens) e um fazedor (homo faber). que os historiadores também usam para descrever processos históricos. A noção de jogo (não só como cálculos de sorte e estratégia como os matemáticos costumam encarar, mas com a dimensão lúdica) acabou desempenhando um papel interessante na história da política e da cultura mas, principalmente, na história dos conceitos (um exemplo com Gumbrecht).
        
  3. A aproximação entre criatividade e meditação, no sentido de que ambos precisam de ócio, de se isolar em um espaço e em um tempo entre paredes, aquietar a mente e eliminar os ruídos e os hábitos, para deixar, assim, que as coisas do fundo emerjam. Também no sentido de que ambos levam a estados "transcendentes", no sentido de "deslocados do fluxo ordinário das coisas" (mesmo que dure apenas uma fração de segundos). Também o jogo, pro Huizinga, funciona porque acontece dentro de parênteses no resto da vida.
        
  4. O destaque do humor como maneira rápida de atingir a iluminação. É claro que ele está falando do tipo de humor nonsense que ele praticava enquanto membro e roteirista do Monty Python, que cria conexões inesperadas e, com isso, nos faz olhar as coisas por ângulos novos (que é talvez a ideia de humor mais próxima do nosso conceito de criatividade). É precisamente a estratégia que os mestres budistas da linhagem zen usam com suas historinhas bizarramente sem sentido (ou outras atitudes ainda mais sem sentido, como gritar e bater em discípulos como resposta a uma pergunta), com o objetivo de trazer a iluminação no sentido meditativo. É também o que fazem os discordianos (que se definem como "zen para ocidentais"), como neste meu exemplo preferido. Há pelo menos um textinho do Rubem Alves ("Koan", no livro sobre a Escola da Ponte) que defende que o método budista deveria ser estendido a toda educação formal (porque, como ele diz, a educação tem que servir para "deseducar", porque só desaprendendo se aprende algo de verdade).
        
  5. A técnica de ficar saltando entre coisas completamente sem sentido até parar em algo que faz sentido de um jeito novo (a versão psicodélica do método de tentativa-e-erro). Conheço alguns grupos que usam isso ostensivamente em processos criativos (um deles um grupo de que faço parte, o CCD). É interessante que ele opõe isso ao pensamento lógico ordenado – modo em que, ao contrário do que ele parece insinuar, nem os cientistas (como ilustrado bem pelos inúmeros exemplos do Lakatos e do Feyerabend) nem os matemáticos (que usualmente operam no terceiro estágio) operam para criar. A necessidade de passos seguros tem mais a ver com o modo fechado de operar, ou ainda com um terceiro momento, o de arrumar a casa (transformar o resultado de um brainstorm em algo limpinho que se possa exibir e usar).